Personalização na prática: algumas reflexões

Artigo publicado pela autora na Revista de Educação do SESI-SP

Estudos sobre personalização costumam gerar dúvidas e indicar uma certa impossibilidade de implementação quando nos deparamos, por exemplo, com a quantidade de estudantes em sala de aula e pensamos em professores que lecionam para muitas turmas em uma ou, até mesmo, em mais do que uma instituição de ensino. Além disso, uma recente pesquisa (PANE, 2017) realizada em escolas que indicavam a personalização como uma de suas principais estratégias nos últimos dois anos, demonstrou dificuldade na identificação de quais as abordagens que envolviam a personalização eram utilizadas nas instituições e, por esse motivo, não apresentou resultados conclusivos. Conceituar personalização, nesse caso, seria uma das principais necessidades. O que estamos considerando ao falar em personalização? Qual é, efetivamente, o papel dos estudantes e dos educadores? Como os recursos digitais podem ser aliados nessa abordagem?

Uma das possíveis definições está alinhada com a proposta de Miliband (2006, p.24) ao afirmar que personalizar não é um retorno às teorias de aprendizagem centradas no aluno, não é deixar que os alunos aprendam por si só, não é abandonar o currículo, ou os objetivos de aprendizagem desenhados para um determinado ano ou segmento de ensino, e não é deixar que os alunos escolham o caminho de aprendizagem que querem seguir, por sua própria conta e risco. A proposta está centrada no desenho do percurso educacional de acordo com um contexto que faça sentido aos alunos, por meio da oferta de experiências de aprendizagem que estejam alinhadas às necessidades possíveis de serem contempladas dentro de um campo de experiência indicado para a faixa etária e que, de alguma forma, favoreçam o protagonismo e o desenvolvimento da autonomia. Personalização está relacionada, neste aspecto, à identificação das reais necessidades de aprendizagem dos estudantes, individual e coletivamente, e das intervenções que o educador irá realizar no sentido de possibilitar que seus alunos aprendam mais e melhor.

Para destacar o papel dos educadores nessa abordagem, é importante analisarmos o uso de recursos digitais relacionados à personalização: aprendizagem personalizada é diferente do que práticas personalizadas. Esclarecendo esse ponto: muitas vezes encontramos recursos digitais, plataformas adaptativas, que oferecem atividades desenhadas de acordo com as necessidades dos alunos e que, a partir de uma testagem inicial, oferecem percursos individuais, com vídeos e atividades para verificar avanços. Essas atividades, em algumas das escolas analisadas no estudo de Pane (2017), caracterizam as práticas personalizadas, mas não podemos afirmar que garantam uma aprendizagem personalizada. Como assim? Apenas oferecer práticas que foram desenhadas de acordo com aquilo que o estudante precisa para resolver um determinado problema matemático ou interpretar uma frase em inglês apresentará oportunidades para que o aluno pratique, mas não identifica quais foram os reais aprendizados, ou quais os avanços conceituais que a prática propiciou.

Dois elementos são essenciais nesse aspecto, sem desvalorizar, mas sem colocar toda a possibilidade de personalização nas plataformas adaptativas: o desenho de experiências que possam oferecer oportunidades de uma aprendizagem personalizada e a avaliação que torne visível a aprendizagem e que, a partir dela, possam ser desenhadas novas experiências de aprendizagem.

Desenhar experiências de aprendizagem transforma o papel do professor, que deixa de ser alguém que transmite conteúdos e verifica se eles foram apreendidos, para um designer de percursos educacionais. Para desenhar esses percursos, é importante que o educador tenha dados em mãos, dados que são obtidos por meio de uma avaliação formativa, digital ou não, e que podem incluir as plataformas adaptativas, questionários online, além da observação, discussão, interação “olho no olho”. Diversas pesquisas (BACICH, TANZI NETO, TREVISANI, 2015; BACICH, MORAN, 2017) têm enfatizado esse olhar para a personalização em que os estudantes podem ser estimulados a entrar em contato com diferentes experiências de aprendizagem, aquelas de que necessitam, porque têm dificuldade, e aquelas que podem oferecer oportunidade de irem além, pois não estão relacionadas às suas dificuldades, mas às suas facilidades. Essas experiências podem envolver diferentes elementos, digitais ou não, que favoreçam a comunicação, a colaboração, a resolução de problemas, pensamento crítico.

A personalização ocorre quando, ao entrar em contato com diferentes experiências, desenhadas de acordo com as necessidades identificadas em toda a turma, os estudantes são envolvidos em propostas que fazem sentido para eles. Além disso, constroem conhecimentos coletivamente, ao interagirem com seus pares. O professor, nesse momento, não está mais na frente da turma, mas ao lado de grupos de alunos, ou acompanhando uma das experiências que considera mais desafiadora, por exemplo. Cabe ressaltar que, ao organizar essas experiências com turmas grandes, alguns alunos podem não identificar a necessidade conceitual de uma determinada experiência; o que ocorre é que elas devem ser desenhadas não tendo apenas o foco conceitual, mas envolvendo objetivos procedimentais e atitudinais. Atualmente, ao analisarmos as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular, verificamos o grande leque de oportunidades de enriquecimento das experiências desenhadas pelos educadores. Incluir as competências gerais e as habilidades das diferentes disciplinas são desafios ao se pensar na personalização, mas oferecem muitas possibilidades de tornar a abordagem eficaz e relevante para os estudantes.

Dessa forma, considerar a personalização no planejamento de aulas inovadoras ao possibilitar o protagonismo e o desenvolvimento da autonomia nas instituições de ensino é uma possibilidade de alcançar o potencial transformador das práticas educativas e fortalecer ainda mais a adoção de metodologias ativas na educação.

Referências:

BACICH, Lilian; TANZI NETO, Adolfo e TREVISANI, Fernando. Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015.

BACICH, Lilian; MORAN, José M. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2017.

MILIBAND, David. Choice and voice in personalised learning. Centre for Educational Research and Innovation (Ed.), Schooling for tomorrow personalising education, p. 21-30, 2006.

PANE, John F. e cols. Informing Progress: Insights on Personalized Learning Implementation and Effects. Santa Monica, CA: RAND Corporation, 2017. https://www.rand.org/pubs/research_reports/RR2042.html.

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Publicado por Lilian Bacich

Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP), Mestre em Educação (PUC), Pedagoga (USP) e Bióloga (Mackenzie), professora de Ensino Fundamental, Ensino Médio. Coordenadora de curso de Pós-graduação em Metodologias ativas no Instituto Singularidades. Organizadora dos livros: Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação; Metodologias ativas para uma educação inovadora. Cofundadora da Tríade Educacional. www.triade.me Contato: bacichlilian@gmail.com

7 comentários em “Personalização na prática: algumas reflexões

  1. Com base no artigo, às abordagens expostas são muito interessantes e de suma importância para uma aprendizagem significativa.

  2. A aprendizagem personalizada tem como ponto forte elevar o engajamento dos estudantes. O próprio processo ajudará nessa aprendizagem.

  3. Só há significado a partir do momento que nos atentar há um novo saber. Entre pesquisas , referência bibliográficas , como onde buscar informações e orientações .Saber que a tecnologia chegou revolucionando
    a todos e com ela estamos buscando um novo saber, um novo olhar para uma educação inovadora. onde estaremos aguardando nossos alunos.

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