
Muito temos ouvido falar sobre transmissão de aulas ao vivo no retorno às aulas presenciais e, em uma breve revisão da literatura, pretendo trazer algumas reflexões neste texto, apresentando as vantagens e desvantagens desse modelo.
O termo HOT instruction (ZYDNEY et al, 2019), em que HOT significa Here or there (aqui ou lá) é um dos termos utilizados para se referir à uma abordagem em que parte dos estudantes acompanha remotamente, de sua casa ou de onde preferir, a aula que ocorre na sala de aula presencial em que o professor palestra (oferece instrução) para a porcentagem de estudantes que está presente face-to-face.
Apesar de parecer recente na educação, como um efeito da reabertura das escolas pós-pandemia, esse modelo já é estudado há algum tempo, especificamente no ensino superior em cursos semi-presenciais, nos cursos em que os estudantes podem fazer a opção de estudar no campus ou em casa. Foram encontrados poucos artigos que se referem a esse modelo na educação básica e, quando relatados, se referem à etapa do ensino médio.
Dos artigos encontrados, dediquei-me neste texto a um deles, presente nas referências, para listar as vantagens e desvantagens desse modelo, que serão apresentadas a seguir e que, se você leu artigos anteriores publicados neste blog, já deve ter se deparado com minhas considerados sobre isso, reforçadas, agora, pela pesquisa que realizei. Vamos a elas:
Vantagens
Há vantagens da HOT instruction, segundo alguns autores, em aspectos organizacionais e pedagógicos. Em relação à organização, há referências da possibilidade de alunos que vivem em outras cidades e, até mesmo em outros países, terem a oportunidade de envolvimento em um curso presencial, mesmo que não consigam frequentá-lo no campus. Outras vantagens organizacionais se referem a algumas disciplinas eletivas, que podem ocorrer em horários alternativos, em relação à carga horária presencial, além de maior liberdade de professores e estudantes para frequentarem o campus quando assim o preferirem. Há relatos de vantagens pedagógicas, para alunos que apresentam alguma necessidade educacional especial em que o deslocamento para o campus e a permanência em um espaço físico poderiam acarretar déficit de aprendizagens e, acompanhar as aulas de sua residência seria vantajoso; evitaria a evasão de estudantes que não pudessem ou tivessem muita dificuldade de chegar ao campus, muitas vezes pela impossibilidade logística de chegar a alguma instituição e, ainda, vantagem se as aulas pudessem contar com o envolvimento de outros profissionais que pudessem participar dos encontros, o que promoveria a troca de ideias e a ampliação de visões sobre os objetos de estudo. Estes aspectos elencados como vantagens parecem, a meu ver, muito bem conectados com a proposta do Centro de Mídias de Educação do Amazonas, em que tive o privilégio de conduzir uma formação de professores em 2016 e que, para poder chegar a todos os municípios, desde 2007 a transmissão das aulas para a educação básica é feita nesse modelo.
Desafios
No aspecto pedagógico, o professor precisa modificar a forma que sempre utilizou para conduzir suas aulas, ao mesmo tempo que precisa adaptar as aulas a esse formato para atender dois espaços diferentes mantendo os mesmos objetivos, dependendo, para isso, de uma alta performance de conhecimentos tecnológicos para que essa adaptação ocorra com qualidade e que favoreça a obtenção de evidências das aprendizagens dos estudantes. Além disso, há uma necessidade de atenção e foco do professor em dois ambientes diferentes, para que atenda às necessidades dos dois grupos de estudantes. As pesquisam falam em desgaste para focar na tela e focar na turma, variando o foco nos dois ambientes. Talvez, ouvir os professores para poder compreender melhor o que eles pensam de situações como essas seria um excelente caminho para tomar decisões.
Ainda no aspecto pedagógico, as pesquisas relatam que o impacto na aprendizagem não é o mesmo e chega a ser reduzido, principalmente, para os que estão no modelo remoto, que vivem uma experiência muito diferente da presencial, mas também é reduzido para quem está no presencial, porque para ser transmitida com exatidão, as orientações do professor devem ser feitas de forma mais pausada do que o habitual e com mais repetições, o que interfere na qualidade dos resultados obtidos presencialmente além de, provavelmente, reforçar a indisciplina. A disciplina da turma, por não ser uma preocupação das pesquisas realizadas antes do período pandêmico e com adultos, não foi um fator considerado, mas considero que é bem possível imaginar os efeitos de alunos que terão mais dificuldades de se manter sentados e em silêncio (!!) em uma situação que exige distanciamento (por outro lado, se é para mantê-los sentados e em silêncio, por que mesmo eles saíram de suas casas?)
Outro ponto apontado pelos estudos é o emocional em que os alunos, que acompanhavam remotamente as aulas, com frequência se sentiam excluídos das propostas presenciais, principalmente quando ocorria uma queda de conexão que poderia demorar para ser solucionada devido às dificuldades de manter um profissional para suporte técnico em cada sala. Esses estudos relatam que esses estudantes sentiam-se negligenciados uma vez que, mesmo com a queda na conexão, a aula tinha continuidade com os alunos que estavam presencialmente no campus. Reforço que estamos falando de adultos nessas pesquisas… como resolver essas questões emocionais com estudantes que já estão sensíveis e vivendo tantos desafios nesse período. Isso, novamente, sem contar a sensação de frustração dos professores em não conseguirem lidar com esses desafios.
Por fim, apesar do artigo ir longe nas reflexões, há o relato de queda de resultados de aprendizagem apresentados nas avaliações dos alunos que estão no modelo remoto, além de desmotivação, sendo sua atenção comparada à mesma que despendem ao assistir TV, pois as aulas tinham uma tendência de ser preferencialmente expositivas. Por questões tecnológicas, foi relatado que o professor deveria evitar mudar seu posicionamento durante a aula e encontrar um ponto da sala em que conseguisse focar na câmera e nos alunos que estivessem presentes no espaço da sala de aula, além de ter um cuidado especial com o áudio, para que todos pudessem ouvi-lo em um tom de voz adequado, pois ao falar mais alto para ser ouvido pelo aluno que está mais ao fundo da sala, uma vez que ele não deveria se mover de um mesmo ponto, estaria produzindo um som muito alto para os alunos que estão em casa…
Muito importante discutirmos soluções para que a abordagem do Ensino Híbrido que venho defendendo em minhas pesquisas possa funcionar de um modo a garantir não só aprendizagens como engajamento. Que tal pensarmos nos momentos presenciais para a realização de projetos? Seria um excelente momento para trabalhar de forma interdisciplinar e flexível, considerando a atividade dos estudantes que, no período remoto, estariam dedicados às pesquisas e desenvolvimento de propostas a serem aplicadas presencialmente. Em que o professor, desconectado, pudesse estar com sua atenção toda voltada para a sala de aula e para que todos trabalhem, juntos, a série de questões que precisa ser considerada nesse retorno. Em que, dentro do horário do professor, ou dos professores que não retornarem para o presencial, seja possível uma atenção focada aos alunos que estão em casa. Vamos nos esforçar para avançar para o século XXI e não retroceder para uma mentalidade apoiada em uma “educação bancária”.
Referência: RAES, Annelies, et al. Learning and instruction in the hybrid virtual classroom: An investigation of students’ engagement and the effect of quizzes. Computers & Education, 2020, 143: 103682.
Recado: Para você, participante dos cursos da Tríade que foi direcionado para este texto, discutiremos esse tema em nosso encontro síncrono.
E, pra finalizar, o título deste texto é uma provocação: a reflexão sobre presença e distância vai muito além do que consideramos no senso comum…Veja mais sobre isso na excelente explanação do prof Romero Tori.
Como citar este texto? BACICH, Lilian. Presente e distante: pesquisas que abordam a transmissão de aulas presenciais. Inovação na educação. São Paulo, 21 de agosto de 2020. Disponível em: https://lilianbacich.com/2020/08/21/presente-e-distante-pesquisas-que-abordam-a-transmissao-de-aulas-presenciais/ . Acesso em…..
Adorei o artigo, quero conhecer mais sobre a autora.
Excelente reflexão! É preciso forte engajamento entre os educadores e docentes. Um grande desafio! Mudanças necessárias!
Excelente texto! O modelo Híbrido é muito interessante e positivo, entretanto cheios de desafios (como o próprio texto apontou). É necessário esforços de toda a comunidade.
Muito bom