
Nestes últimos tempos, nós, pesquisadores da educação, somos muito questionados sobre como vemos o futuro da educação a partir de tudo que estamos vivendo hoje, pressionados pelo uso de tecnologias digitais, ou pela completa ausência delas em muitas realidades no nosso país.
Somente podemos contemplar a educação em uma perspectiva de futuro. Embora seja realizada no presente, sempre dará seus frutos não hoje, mas no futuro, em um momento que estará mais ou menos próximo do presente. Essa condição tem que nos importar, precisamente por isso, porque educar é fazer algo pelo “dia de amanhã”, que é dos outros que nos seguirão.
SACRISTÁN, 2015.
Quando pensamos em filmes que apresentam a viagem no tempo como temática (sempre adorei!!), vemos a preocupação dos roteiristas sobre não alterar nenhum evento no passado para que o futuro não seja comprometido. Então, e se pudéssemos fazer o contrário: mudar alguma coisa no passado recente para que o que vivemos hoje na educação estivesse sendo diferente, o que seria? Desde as questões mais distantes do que podemos fazer como educadores, como oferecer recursos digitais (entre muitas outras coisas) para todos os estudantes do país, como aconteceu no Plano Ceibal do Uruguai, até aquelas que dependem diretamente das experiências educacionais que promovemos nas instituições de ensino. E é sobre isso que gostaria de dedicar este texto.
Se nossas escolhas anteriormente fossem diferentes em alguns pontos, talvez os resultados hoje fossem outros:
- Desenvolvimento da autonomia dos estudantes: se os estudantes fossem estimulados a investigar, desde os anos iniciais, tendo tempos de estudo mediados por educadores, mas com propostas a serem realizadas de forma mais autônoma e responsável, revisando seu trabalho durante todo o processo, identificando pontos de melhora e, com apoio de pais e educadores, procurando avançar para construir conhecimentos e perceber a validade do processo para a além da nota do bimestre, o que seria diferente de muitos desafios que temos hoje?
- Aprendizagem significativa: se as propostas estudadas na escola estivessem sempre relacionadas aos desafios do mundo real, ou gerassem propósito por interessar os estudantes em resolver problemas significativos; se os educadores preparassem suas aulas para apoiar os estudantes na identificação desses problemas, mas que o tempo de apresentação de “conteúdos” escolares fosse muito menor do que o tempo dedicado para o desenvolvimento de habilidades, gerando mais protagonismo dos estudantes nesse processo.
- Colaboração: se a centralidade não estivesse em ouvir uma aula, mas em viver uma aula, trabalhando em duplas, trios, pequenos grupos, aprendendo nas relações humanas que se estabelecessem nesse processo, com pares, sempre com o suporte e a mediação de educadores que desenham esse contorno das interações possíveis nesse processo.
- Avaliação: se avaliar fizesse parte do processo, e não apenas uma constatação do término dele, envolvendo a avaliação por rubricas, portfólios, autoavaliação, com feedback constante para que as evidências de aprendizagem dessem condições de que todos os envolvidos (estudantes, educadores, pais) pudessem avançar juntos para o próximo passo, ou retomar o que fosse necessário, sem a preocupação com a nota no fim do percurso.
Esses são apenas algumas preocupações que estudantes, pais e educadores têm relatado no momento em que vivemos hoje… Mas o propósito do meu texto não é “chorar o leite derramado”: é refletir sobre escolhas. Aquelas que precisamos fazer hoje. As escolhas que fizemos, no passado, apontaram para os desafios que estamos vivendo hoje. Então, aquelas escolhas que fizermos no retorno às aulas presenciais, hoje, também irão impactar sobre o que teremos no futuro da educação.
O futuro como um lugar ou espaço do tempo não existe no presente, mas é no presente que somos chamados a intervir para condicioná-lo.
SACRISTAN, 2015.
Se esse retorno nos der possibilidades de avançar em relação aos desafios que apontei acima, será que não teremos um futuro de que poderemos nos orgulhar? Se os recursos digitais utilizados agora, no retorno às aulas, tiverem a função de ser mais um espaço de aprendizagem, no lugar de ser um meio de transmissão de aulas expositivas, será que não desenvolveremos mais habilidades dos estudantes, principalmente se elas forem avaliadas como processo? Se os espaços de aprendizagem, online, remoto, físico (sala de aula, quadra, praça) que precisamos desenhar agora forem utilizados para aquilo que podem ofertar como experiência de aprendizagem, respeitando os limites e possibilidades de cada espaço, será que não teremos mais oportunidades de tornar a aprendizagem mais significativa? Se a relação entre os estudantes der condições para a construção colaborativa de conhecimentos, mediados ou não por recursos digitais, envolvendo quem está em diferentes locais, será que não conseguiríamos descentralizar ainda mais o papel do professor e valorizar a colaboração e a empatia nas ações realizadas na escola?
São essas algumas das reflexões sobre escolhas que precisamos sempre fazer como educadores… Convido você a explorar outros textos que escrevi por aqui sobre os desafios da implementação do ensino híbrido e compartilho a referência do texto do Sacristán que provocou essas minhas reflexões:
SACRISTÁN, J. G. Por que nos importamos com a educação no futuro? in JARAÚTA, B. e IMBERNÓN (orgs.) Pensando no futuro da educação: uma nova escola para o século XXII. Porto Alegre: Penso, 2015.
Excelente reflexão sobre esse novo normal desafiador que enfrentamos!