A reabertura das escolas, que cada vez mais torna necessário refletir sobre as tecnologias digitais ainda mais presentes nas rotinas escolares, exige dos educadores e das instituições a análise de diferentes cenários.
Os diferentes cenários podem ser aprofundados a partir de estudos realizados por diferentes instituições, como UNESCO e como o excelente documento veiculado pelo Instituto Unibanco, em que é feita uma compilação sobre diferentes orientações de organismos internacionais.
Neste texto, compartilho algumas possibilidades a partir dos modelos de Ensino Híbrido, sobre os quais me debrucei na organização do livro que co-organizei sobre o tema, mas que não foram tão aprofundados no momento. Nossas reflexões sobre o Ensino Híbrido estavam mais voltadas aos modelos sustentados, aqueles que são possíveis com todos os alunos presentes em sala de aula, e não sobre os disruptivos, que consideram que nem todos os alunos estarão na escola, como o Virtual aprimorado e o A La Carte, como visto na imagem a seguir.

Como sempre gosto de relembrar, nossa visão de Ensino Híbrido apoia-se na relação que Dewey estabelece entre ensino e aprendizagem. Para o autor, não há ensino sem aprendizagem, ou seja, os dois conceitos estão intimamente relacionados e fazer a opção pela palavra “ensino” considera que a contrapartida é a aprendizagem, uma vez que é o estudante que está no centro do processo, é para possibilitar as aprendizagens dele que as aulas são planejadas. Vamos analisar, então, como esses modelos podem contribuir em um cenário de reabertura parcial das aulas:
Virtual aprimorado: presença na escola com fins específicos
Nesse modelo, os estudantes realizam os estudos sobre todos os componentes curriculares no formato online, e frequentam a escola para sessões presenciais obrigatórias com um professor, uma ou mais vezes por semana. Nesses encontros com o professor, são aprofundadas as discussões sobre aspectos que merecem um aprofundamento, um esclarecimento de dúvidas, ou um acompanhamento para auxiliar nos próximos passos, como uma mentoria personalizada. Veja aqui um vídeo que exemplifica esse modelo em uma realidade, obviamente, muito diferente da nossa.
A diferença entre o que foi ofertado pela maioria de nossas escolas nesse momento de aulas remotas e a proposta do virtual aprimorado é a possibilidade de personalização das aprendizagens. Ou seja, as propostas online por meio de vídeos para explanação de conceitos, textos para leitura sobre diferentes ângulos de cada conceito, possibilitam o desdobramento para que os estudantes se aprofundem nos aspectos que geram, individualmente, maior engajamento. Ampliar os instrumentos de coleta de dados, então, torna-se essencial, principalmente para possibilitar esse acompanhamento personalizado.
Em um cenário mais restritivo, esse modelo funcionaria com horários dos professores dedicados a grupos menores de alunos, que se reuniriam, respeitadas todas as diretrizes sanitárias, para o compartilhamento das aprendizagens essenciais, aquelas que foram selecionadas como imprescindíveis para serem trabalhadas nesse ano letivo (veja as matrizes curriculares, citadas nas referências, com esse exercício de seleção de aprendizagens).
Em um cenário menos restritivo, esse modelo funcionaria com a parcela dos alunos que se encontrariam para a realização de estratégias de compartilhamento em grupos maiores, como debates ou resolução de problemas que aplicam as aprendizagens estudadas previamente no formato individual. Vemos, nesse modelo, uma associação com o modelo de ensino híbrido denominado Sala de Aula invertida. Para que esse modelo faça sentido como personalização das aprendizagens, a coleta de dados é essencial, e os encontros presenciais estão apoiados nessas informações.
À La Carte: grade curricular híbrida
No modelo à la carte, de acordo com a definição dos autores (Horn e Staker, 2015), a aprendizagem de uma disciplina é feita completamente no modelo online e, ainda segundo os autores, é mais eficiente no Ensino Médio, nas disciplinas eletivas. Esse modelo poderia ser adequado, portanto, aos itinerários formativos (que tive a honra de colaborar na redação dos referenciais curriculares). Veja aqui um vídeo sobre esse modelo, em uma realidade, obviamente, muito diferente da nossa.
Em um cenário mais restritivo, especificamente para o Ensino Médio, as disciplinas eletivas poderiam migrar completamente para o formato online, possibilitando um acompanhamento tutorado por parte dos professores, com tutoria ocorrendo no formato online, em videoconferências. As avaliações também ocorreriam nesse formato.
Em um cenário menos restritivo, algumas das disciplinas previamente selecionadas, migrariam para finalizar o ano no formato online, acompanhada de perto pelos professores, em videoconferências para discussão e aprofundamento, mas com a entrega de conteúdos no formato online. As avaliações poderiam ser realizadas, por grupo, em encontros presenciais.
Considerações e reflexões
Nos diferentes cenários que apresentei nesse texto, é importante uma reflexão sobre o papel do online nos planejamentos. Mais do que considerar que as aulas presenciais e as online serão no formato “expositivo”, torna-se relevante estabelecer a função de cada momento.
O online apresenta excelente espaço para o “expositivo”, quando no formato aulas gravadas, as videoaulas. As aulas gravadas (com a atenção de não estarem datadas com comentários do tipo: está frio hoje, por exemplo), podem transformar-se em um repositório de explicações sobre conceitos e podem ser reaproveitadas na recuperação das lacunas que, eventualmente, alguns alunos apresentarão.
O síncrono, quando no online, ou o presencial não devem ser espaço para o expositivo, mas para o contato com o humano, com a troca entre pessoas, com luz para questões tão relevantes como empatia, argumentação, pensamento crítico. Receber conteúdos não deveria ser o foco desse momento, mas a possibilidade de resolver problemas e colocar em ação os aprendizados que foram construídos em uma exposição prévia dão mais sentido ao que denominamos como ensino híbrido, que é mais do que a união do presencial com o online, mas é a possibilidade de personalização de aprendizagens e, tomando Cesar Coll (2019) como referência:
A personalização da aprendizagem é concebida, como um conjunto de estratégias pedagógicas e didáticas orientadas a promover e reforçar o sentido das aprendizagens escolares para os estudantes. […] O ponto não é se devemos ou não avançar para a personalização, mas como fazê-lo.
Talvez, seja esse o nosso momento de pensar em como fazê-lo retomando a discussão de que a inovação será cada vez mais metodológica, e não tecnológica. É isso… Vou adorar saber o que pensa sobre essas reflexões!
Referências interessantes
Matrizes Curriculares: realizei a coordenação da área de Ciências da Natureza na produção das Matrizes dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio na parceria do Instituto Reúna com a Fundação Roberto Marinho.
A personalização da aprendizagem escolar, por Cesar Coll.
HORN, M. B.; STAKER, H. Blended: usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação. Porto Alegre: Penso, 2015.